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Translúcido - Imagens e Movimentos de Arthur Tuoto e João Krefer

Fernando Bini


Eu acho que o cinema está morto. [...] Mas há aqui uma forma de dar-lhe uma nova vida, [...] para que não seja um fenômeno baseado no texto, mas tem muito mais ener-gia porque é um fenômeno baseado na música. Um cinema do tempo presente que não é narrativo.
(Peter Greenaway, São Paulo, 2007)


    A vídeo-arte nasceu nos anos 60, como uma criação ilegítima da televisão, quando se procurava a dessacralização e a desmaterialização do objeto de arte, iniciado pelo movimento Fluxus. Mas ainda hoje nos fazemos certas perguntas: “Em que ponto o cinema passa a ser melhor compreendido, e reconhecido, dentro de uma galeria de arte? Qual o limite entre a instalação conceitual e o experimentalismo narrativo?” (Tuoto, 2009), são os questionamentos que faz Arthur Tuoto, já passada a primeira década do século XXI.

    A sua entrada no museu retirou, ironicamente, o seu caráter de contracultura, de questionamento sobre o meio e sobre os conteúdos da televisão. Com o vídeo houve a perda do espírito comunitário do cinema e o que assistimos é uma espécie de celebração desta liberação.

    Arthur Tuoto e João Krefer têm sua origem no cinema, ambos trabalham com os recursos da linguagem cinematográfica, da fotografia, mas também da performance e da instalação. Parecem querer ultrapassar a linguagem narrativa em busca mais da reflexão, da contemplação. Não que o cinema não possibilite esta indagação, mas ficamos na dúvida se uma obra como “Deus”, de João Krefer, foi feita para a grande sala, pois sua imagem é magnífica, ou o pequeno espaço no qual podemos contemplar e refletir, mais intimamente e escutar a música de Arvo Pärt.

    Marshall McLuhan já advertia nos finais dos anos 60, que a televisão não era a maneira de nos relacionarmos como o antigo mundo “real; “era o próprio mundo real...” O cinema é fragmento deste mundo real, alegoria ou tempo alegorizado, retirado de um contínuo real, formando outro contínuo que se origina na imaginação, é a imagem fantasmática que parte do real para criar outra realidade. Mas é destinado à visão coletiva, afastada e no interior dos grandes espaços vazios e escuros. No vídeo há o contraste entre o continuum real, registrado pela câmara e outro continuum resultado da manipulação realizada pelo artista (Lúcia Santaella).

    “Julho” de Krefer e “Em setembro” de Tuoto, são construções poéticas, íntimas; é o olhar sobre as coisas simples, o frio, a chuva que bate na janela, a paisagem colorida da primavera. A janela está presente no primeiro e é metáfora no segundo. Metáfora da própria tela “que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto” diz o autor, mas também metáfora da câmara fotográfica ou de cinema.

    O trabalho de ambos quer romper com a narrativa linear própria do cinema, no sentido de Greenaway, não mais o “texto filmado”, mas falar sobre todos os sentidos e, como numa performance, fazer o corpo tornar-se participativo. O envolvimento plástico, quase pictural de ambos, está no questionamento da janela como metáfora (a janela de Alberti que dominou a pintura ocidental) e do espelho, como imagem narcísica e autobiográfica recriada na telinha.

    Arthur Tuoto parte da experiência com a luz (“Disforme”, por exemplo) e trabalha com a transparência, a reflexão e a sobreposição dialogando com o real. É́ um trabalho sobre a imagem, normalmente, já pronta e de onde faz surgir sua poesia ensinando o espectador a olhar. Os artistas parecem querer ultrapassar a utopia tecnicista do meio para dominar o que é verdadeiramente vivo e real. Como a música, a imagem eletrônica é “pura duração” (Arlindo Machado).

    Segundo o teórico franco-italiano Roberto Barbanti (2004), falando dos happenings dos anos 60-70, diz que ele foi o gênero artístico que soube experimentar, à partir das problemáticas tiradas da irrupção e generalização dos novos meios para produzir um discurso coerente e uma crítica pragmática. Por extensão, as performances que são a continuidade dos happenings (da mesma forma que as instalações são a continuidade dos ambientais), nos colocam em confronto com a forma de arte que leva em conta esta vontade de ir além do meio tecnológico.

    O vídeo “devolve dados originais ao ambiente imediato, em tempo presente” (Dan Graham), mas é a performance quem pode melhor explorar esta duplicação da realidade, esta nova dimensão de uma temporalidade aberta, fragmento alegorizado pela sua própria existência.

    Jean-Paul Fargier (vídeo-artista francês) fala de Tiviguração (Tevê figuração) no uso da televisão como máquina de representar, de ver e de alucinar, ou seja, a recepção através da distração comentada por Walter Benjamin: “A recepção através da distração, que se observa crescentemente em todos os domínios da arte e constitui o sintoma de transformações profundas nas estruturas perceptivas, tem no cinema o seu cenário privilegiado” (A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica). Mas o vídeo quer destruir a visualidade clássica do cinema, ele é contra a linearidade dessa linguagem, pois as suas imagens se constroem na intertextualidade.


Fernando A. F. Bini
Professor de História da Arte e Crítico de Arte
Novembro de 2011























 



     
No teu gesto mais frágil há coisas que me encerram, ou que eu não ouso tocar porque estão demasia

In your most frail gesture are things which enclose me, or which I cannot touch because they are too 


























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