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Paula Borgui, Arthur Tuoto

   
    On 10/4/10, Paula Borghi <pahpaula@hotmail.com> wrote: Então, aproveitando que estamos viajando gostaria de iniciar nosso ciclo de conversar virtuais. Uma vez você me falou que conheceu sua namorada pela internet. Fico pensando, você a conheceu através de uma imagem eletrônica, queria saber um pouco como isso aconteceu, entender melhor esta natureza eletrônica. Você poderia falar um pouco sobre isso?

    Date: Thu, 14 Oct 2010 11:16:22 From: arthur.tuoto@gmail.com To:pahpaula@hotmail.com Consegui roubar internet do vizinho, então aí vai, vou tentar responder tudo bem intuitivamente. Na verdade eu nunca tinha pensando muito nisso, mas de fato a nossa relação se iniciou ‘virtualmente’, ou ‘digitalmente’, seja por imagem/chat, seja por telefone/skype, etc. E é claro que no mundo digital esse processo de encantamento é sempre muito forte, justamente porque existe toda uma idealização do outro (caso que faz com que vários casais se encontrem na net talvez). E logo depois do primeiro encontro, quando existe a realidade, esse encantamento até aumenta, na espera do próximo encontro e consequentemente na alimentação desse ‘ideal’. Na verdade no meu caso não sei se isso um dia terminou, acho que foi mudando, indo pra outras áreas da minha psique (e de alguma forma o meu trabalho mostra isso), ela sempre esteve presente no meu cotidiano desde então de uma maneira quase orgânica, desde quando falávamos pela internet até quando fomos morar juntos, alguns vídeos que talvez mostrem melhor essa ‘cronologia do afeto’: "Tainah" (2008), uma espécie de haikai digital, que acredito explora bem esse encantamento, ainda que ‘discreto’ de alguma forma, essa ‘explosão silenciosa’; além de ser um dos primeiros vídeos que trata dessa potencialização do gesto no meu trabalho, ela estava simplesmente olhando pela janela, eu notei uma luz especial entrando, tinha uma câmera fotográfica do meu lado, eu liguei a câmera no modo filmagem e gravei, ovídeo tem exatamente 1 minuto, que é o tempo limite da memória para filmar (era uma câmera digital antiga).I See You (2008) surgiu do nosso primeiro encontro pessoalmente, eu gravava e ela não sabia que a câmera estava ligada, é ́um flagrante dessa coisa intensa do encontrar pela primeira vez etc. Corpse #5  é parte de uma instalação coletiva em vídeo, um pouco desse nosso transitar constante que foi a primeira fase do relacionamento talvez...  E o "Em Setembro" (2010),́ o super-8 que você já viu, que de certa forma reitera aquela ideia do gesto e da delicadeza material. Nem sei se era pra eu estar falando desses trabalhos aqui, mas eles são provavelmente o que melhor espelham minha imagem dela, em especial desse encantamento por ela, que acredito nunca termina mas vai só se transmutando em outras formas, outras possibilidades de olhar, e etc. etc. No trabalho acadêmico dela também existe essa busca pelo olhar e por novas possibilidades dentro disso, e como o processo dela é a pesquisa, e o meu é o “fazer artístico”, acho que os vídeos são o meu melhor resultado disso tudo. Mas teria muito mais pra pensar dentro disso. Eu gosto desses vídeos com ela mas não considero, digamos, o principal do meu trabalho, são mais vislumbres que eu gosto de registrar e acredito que tenham uma força afetiva legítima e por isso mesmo essa potência. E são coisas que surgem muito naturalmente de qualquer forma, nunca planejei fazer um filme com ela, ou mesmo filmar ela e essa imagem dela, acontece de ter uma câmera ao lado e eu filmo sem pretensão ou sem saber exatamente aonde vou usar aquilo. Na verdade ela ainda está presente mesmo nos filmes mais “sérios” (várias aspas aí), como por exemplo no diálogo entre nós sobre o caso Isabela naquele filme que você viu, só que lá é mais uma partilha social/política (coisa que temos muito) do que de fato um encantamento afetivo. Mas ainda assim, diz muito sobre essas mudanças e permanências do meu olhar sobre nós e o que nos circula. Mas acho que bem basicamente é isso, se eu pensar em alguma outra coisa te mando.

On 2010/10/14 Paula Borghi <pahpaula@hotmail.com> wrote: Engraçado você dizer que nunca havia pensado nisso! Quando vejo seus vídeos (principalmente os com a Tainah) para mim fica muito claro o encantamento através da imagem. Acho que o mesmo acontece com outras personagens de seus vídeos, claro com uma intensidade outra. Você já pensou na imagem videográfica como um meio de você criar “contato”? Um contato com esta imagem anônima, sabe? Por exemplo, pensando no vídeo "I See You", você grava sem avisá-la que a câmera estava ligada e usa a palavra flagrante para descrever este momento. De uma maneira completamente outra você faz a mesma coisa em "Corpo Delito". São flagrantes completamente diferentes! Mas tem algo que aproxima os dois. Claro, o encantamento pode acontecer tanto por uma imagem de amor, como por uma imagem de um assassinato (ou até mesmo guerra, lembrando dos vídeos que você me mostrou da guerra do Iraque). Você pode falar um pouco disso, do contato e do encantamento.

Date: Fri, 15 Oct 2010 14:07:04 From: arthur.tuoto@gmail.com To:pahpaula@hotmail.com A questão do encantamento/fascínio eu já havia pensado sim, sempre penso. Digo que nunca havia pensado nessa coisa da imagem eletrônica da Tainah ser o meio pelo qual eu primeiro a conheci, e como, ou se, isso influenciou os vídeos e o meu olhar, etc. Aliás, essa questão do encantamento é algo que se dá muito pelo meio eletrônico mesmo em alguns casos, ou pelo menos vai se materializar de fato no meio eletrônico. Sejam as coisas “reais” filmadas (Tainah, homem inconsciente na calçada), sejam as coisas filmadas da Tv, como no "Transcomunicação", que você já viu, que o fascínio em si se dá pela inconstância/materialidade de um sinal televisivo e, talvez, nossa relação de espectador com aquilo e toda a política do olhar que está invariavelmente atrelada a isso. Engraçado você usar a palavra Contato, um termo que já usei em alguns textos sobre outros trabalhos e que de certa forma se adequaria ao meu é “Videografias de Contato”. Não deixa de ser um contato anônimo também, subversivo, porque quem trava o contato talvez seja só eu, o homem inconsciente na calçada, aqueles ao redor, mesmo a Tainah, são filmados sem saber. Mesmo a questão dos diálogos, aquele entre eu e o meu amigo no "Ensaio para um Vídeo Vigilância", ou com a Tainah no "Corpo Delito", são diálogos que eu gravei sem eles terem conhecimento, apropriações “ilegais” talvez. Acho que tudo isso acontece porque não gosto de interferir na coisa em si, por exemplo, se eu descesse na rua e filmasse o corpo do cara, ou se antes de começar a gravar o diálogo com meu amigo eu falasse pra ele que a coisa estaria sendo gravada, tudo seria diferente. A minha presença iria interferir nos fatos/conversas, não que eu já não interfira do jeito que faço, mas com eles tendo essa noção, alguma coisa talvez se perderia.
É bem a frase do Jem Cohen: “And as I became invisible, I started to see things that had once been invisible to me.” A imersão no ambiente é tanta que você começa a fazer parte dele e a notar coisas que antes era invisíveis à você.

On 2010/10/18 Paula Borghi <pahpaula@hotmail.com> wrote: Nossa, estas suas últimas frases me fizeram lembrar muito de um livro, Invenção de Morel, do Aldolfo Bioy, você conhece? Pois bem, o narrador está em um ambiente tão imersivo e busca tanto por ficar invisível que começa a ver coisas que antes era invisível a ele. Mas este começar a “ver coisas” pode também ser um estado de loucura, não?

Date: Fri, 22 Oct 2010 15:14:17 From: arthur.tuoto@gmail.com To:pahpaula@hotmail.com
Então, acho que qualquer obsessão pode virar loucura né, até por uma paisagem/imagem. Alguém me disse uma vez que existe uma coisa chamada “Teoria da Paisagem”, que é quando você fica olhando tanto tempo uma mesma imagem/paisagem que passa a perceber coisas que antes não percebia ou que mesmo não estão lá. Aliás, o nome daquele filme do Roberto Bellini que te mostrei se chama "Teoria da Paisagem", mas não sei se é exatamente por esse motivo, tem tudo a ver de qualquer forma. O "Lost Book Found", do Jem Cohen, mostra bem essa relação de invisibilidade dele com a cidade proveniente desse estado imersivo e ainda mais por esse estado de ‘marginal’ digamos, no sentido de um indivíduo ignorado pelos outros e que passa a fazer parte da paisagem. O melhor modo de conhecer um ambiente acho que é simplesmente ficar parado e olhar, mesmo uma cidade, um lugar novo etc, as pessoas se preocupam tanto em ‘desbravar’ tudo, andam por tudo, que acabam não vendo nada, acabam não sendo invadidas por nada, e essa invasão só acontece na imersão mesmo. Mas por um lado esse encantamento todo não pode fugir do controle, se não vira só mais um dispositivo de contemplação e pronto, coisa que acontece com muitas obras (e que já aconteceu comigo várias vezes também). Por isso acho que o trabalho mesmo está em achar um equilíbrio entre esse fascínio e um conceito quase racional (político?) sobre esse olhar, ainda que partindo da intuição... O que sempre leva bastante tempo, essa ‘descontaminação’ do ambiente, da imagem, pra aí sim poder trabalhar nela. A própria imagem do homem inconsciente na calçada, eu filmei em 2007, mas só agora (2010) achei um lugar pra ela ou estou conseguindo lidar com isso. Porque se eu fosse trabalhar com ela (e com todas as imagens) logo que filmo, talvez me animaria demais com tudo e perdesse o rumo, já que o meu olhar estaria viciado pela coisa toda. Por isso sempre existe esse intervalo saudável, até pra ver se de fato existe alguma coisa ali ou não.

   
Paula Borgui, Arthur Tuoto.
Texto para catálogo da exposição Ateliê Aberto #3, Casa Tomada (São Paulo/SP).























 



     
No teu gesto mais frágil há coisas que me encerram, ou que eu não ouso tocar porque estão demasia

In your most frail gesture are things which enclose me, or which I cannot touch because they are too 


























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