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desprogramação e RESSIGNIFICAÇÃO
Ana Elisa Carramaschi, Arthur Tuoto
Arthur,
lendo o texto do Flusser que te mostrei comecei a escrever isso
aqui. Entendo que seu processo tem como objetivo, a princípio,
trabalhar as imagens em vídeo que investigam flagrantes do olhar. Num
primeiro momento, esse olhar se volta para flagrantes afetivos, onde
você busca o sensorial como chave para o olhar. Num segundo momento
você recorre ao estranhamento como chave para o olhar. Este segundo
momento acontece como flagrantes clandestinos, que exercem para o olhar
uma relação entre fascínio e trauma. Você apresenta várias
situações: olhar pra cidade de Curitiba “fechada em brancura e
verde”, para as imagens de mídia com eventos violentos – históricos
ou de crime – misturadas às imagens banais, olhar para a distorção,
chuvisco e fantasmas da imagem televisiva com interferência. Mas além
de querer trabalhar todas essas imagens, existe a necessidade de
alterar os contextos, levando os fenômenos de massa, as imagens do
espetáculo – da violência ao Big Brother – para a ideia de
antiespetáculo. Isto porque em todas as situações, o que lhe vem é
a pergunta “Como lidar com a situação?” e a como resposta formula-se
o gesto de olhar como ato político: o de testemunhar e apontar. No
texto de Vilém Flusser "Fred Forest ou a destruição dos pontos de
vista estabelecidos", ele relata que Forest, ao filmar uma ação,
estaria usando a câmera como “ferramenta epistemológica, um
instrumento para compreender”. Flusser narra a seguinte experiência:
enquanto ele explicava a Fred Forest uma tese, este a filmava. Ambos
acompanhavam o instrumento “câmera” tendo efeito direto sobre a “coisa
a ser compreendida”: o próprio discurso de Flusser. “Quando Forest
sentia que seu esforço em compreender modificava minha explicação,
seu propósito modificava-se mais uma vez”. Aqui ele vem provar “a
maneira como um material revela suas virtualidades durante sua
manipulação, e a maneira como um propósito inicial muda sob o
impacto das novas virtualidades portanto descobertas.” No seu trabalho,
você usa imagens e sons captados clandestinamente, não há a
interação (do referente) no material a ponto de alterar o conteúdo
que está sendo captado. Entre Flusser e Forest, havia a investigação
da significação do gesto pela observação do quanto a interação
com o instrumento alternava palavras e pensamentos. Já você constrói
outra maneira de buscar a mesma significação do gesto (do fenômeno,
do observador-câmera, espectador ou daquela pessoa que vê
posteriormente sua conversa gravada): altera o contexto, perverte as
relações iniciais, co-relaciona outras imagens e áudios e estes
fazem o fenômeno sair do macropolítico de “massa” pro micropolítico
do “íntimo”. São diferentes estratégias que buscam instrumentos
(técnicos) para investigar conteúdos que de alguma maneira estavam
“programados” para acontecer de um jeito, e que acontecem de outro. O
instrumento que manipula a forma tem efeito direto sobre a coisa a ser
compreendida, que modifica-se novamente. Ambos os casos criam novas
virtualidades e buscam novas significações o tempo todo:
desprogramando conteúdos e construindo a todo momento
ressignificações. Vejo aí a chave antiespetacular. Será esse enfim
o “ato político” o de desprogramação e ressignificação dos
conteúdos?
Ana, gostei das observações, acho que você intuiu bem algumas
nuances e questões do meu trabalho. Na verdade eu estava desenvolvendo
um texto chamado "Experiências com o Real (notas sobre um processo)" em
que tento divagar sobre isso usando o texto de uma psicanalista chamda Jô Gondar como
base, sobre imagens de terror, subjetividade e como agregar tudo isso.
E também trabalhos do Chris Marker, Godard e Jem Cohen. Entendo essa
ressignficação como uma tentativa de criar um sentido para essas
imagens invasivas. Pensando na ideia do trauma, como diz a Jô Gondar
citando o Freud, o trauma vem a ser um problema de economia psíquica.
O tom da experiência excede a tolerância do sujeito de elaborar
‘psiquicamente’ um sentido para aquilo. Quando sofremos uma
experiência traumática, repetimos aquela imagem mentalmente a fim de
agregar aquilo subjetivamente, e de criar um imaginário próprio para
uma experiência de olhar que excede qualquer relação associativa
possível. No meu caso, o vídeo aqui entra como tentativa de integrar esse trauma,
de criar esse imaginário palpável e lidar com isso. E isso se torna
completamente íntimo, como você bem colocou. É́ quase como uma
maneira particular de resistir a essas imagens, que ao mesmo tempo em
que me atraem (simplesmente pelo desejo de descobrir o quão longe já
fomos), é a minha forma de resistência. Uma proposta ao
mesmo tempo sedutora (voyeur, o flagrante) mas também uma denúncia
desses imperativos do olhar. E além do dispositivo, vale ressaltar a questão da
montagem, ainda mais quando se lida com apropriações. Aliás, chama a
atenção o trabalho do Godard nesse sentido, acredito que em várias
montagens em que ele mistura imagens de arquivo, fotos e imagens
próprias, ele tenta também integrar subjetivamente toda essa
experiência traumática que é olhar para o mundo e seu passado, ou
simplesmente estar no mundo em pleno século XXI. Em especial nos curtas "Dans le noir du temps" e "Origins of the 21st
Century" E principalmente no "Je Vous Salue Sarajevo". Ele faz uma reflexão sobre a nossa relação com a cultura de
massa, dá uma olhada nos vídeos e voltamos a conversar.
Ana Elisa Carramaschi, Arthur Tuoto.
Texto para catálogo da exposição Ateliê Aberto #3, Casa Tomada (São Paulo/SP).
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No
teu gesto mais frágil há coisas que me encerram, ou que eu não ouso
tocar porque estão demasia
In
your most frail gesture are
things which enclose me, or which I cannot touch because they are too
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